O papel do contador na reforma tributária que está para entrar em teste é de consultor e estratégico, para orientar clientes sobre as mudanças que impactarão seus negócios.
Faltam poucos meses para o início da fase de testes da reforma tributária (janeiro de 2026), que promete transformar profundamente a forma como empresas de todos os portes recolhem impostos no Brasil. Com a unificação de tributos, a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual e o redesenho de competências entre União, estados e municípios, o cenário fiscal do país será outro a partir de janeiro.
Um levantamento recente encomendado pela Folha de S. Paulo revela que 58% dos profissionais da área contábil ainda não estão prontos para as mudanças da reforma tributária. Esse percentual reúne contadores que afirmam estar apenas no início da fase de preparação (41%) e aqueles que reconhecem precisar se aprofundar mais no tema (17%).
Os dados integram a segunda edição da pesquisa “A opinião dos contadores brasileiros sobre a reforma tributária”. O estudo entrevistou 347 profissionais de contabilidade de todas as regiões do país, entre os meses de maio e julho deste ano.
Em meio a essa transição, o papel do contador na reforma tributária se torna ainda mais central. Mais do que cumprir obrigações acessórias, ele será o profissional responsável por interpretar, traduzir e orientar sobre o impacto real das novas regras nas operações das empresas.
De executor a consultor
Durante décadas, o contador foi visto como um executor técnico: aquele que processa folhas, lança notas, transmite declarações e mantém a regularidade fiscal do negócio. A reforma tributária, no entanto, reforça uma tendência que já vinha ganhando força: o contador como consultor estratégico.
Com as mudanças, as empresas precisarão de apoio para compreender as novas alíquotas, o regime de transição, a substituição tributária e os créditos de IVA. Cada cliente, dependendo de seu porte, segmento e regime atual, enfrentará impactos diferentes — e é justamente aqui que entra o contador.
Ele será a ponte entre o texto da lei e a realidade prática de cada negócio. Saber interpretar o que muda, calcular os efeitos e orientar ajustes na precificação, nas margens e nos contratos será essencial.
O risco de esperar demais
Apesar da relevância do tema, muitos escritórios ainda não se prepararam adequadamente para a reforma. Levantamentos recentes mostram que parte significativa dos profissionais da contabilidade ainda não participou de cursos, eventos ou capacitações voltadas à nova legislação.
Essa falta de preparo pode ter consequências sérias. Empresas mal orientadas podem calcular tributos incorretamente, perder créditos ou até enfrentar autuações. Além disso, quando os clientes perceberem as dificuldades, é natural que cobrem explicações — e esperem que seu contador já tenha respostas.
Ou seja: esperar as dúvidas surgirem é um erro estratégico. O contador precisa se antecipar, revisar as carteiras de clientes e identificar os pontos críticos para cada um.
Como assumir o protagonismo
O novo cenário tributário é uma oportunidade de ouro para que o contador fortaleça seu posicionamento no mercado. A seguir, algumas estratégias práticas para assumir o protagonismo nesse momento de transição.
Estude e atualize-se continuamente
O primeiro passo é dominar a nova legislação. Embora ainda existam pontos pendentes de regulamentação, grande parte das diretrizes já está definida. Participe de cursos, webinars e eventos técnicos promovidos por conselhos e entidades de classe.
Aprofundar-se nas regras do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) é fundamental para orientar corretamente cada cliente.
Mapeie os impactos em sua base de clientes
Cada cliente será afetado de maneira distinta pela reforma tributária. Negócios de varejo, indústria, serviços e agronegócio, por exemplo, terão dinâmicas diferentes. Identifique quais setores serão mais impactados e elabore relatórios personalizados mostrando os principais pontos de atenção.
Essa análise preventiva reforça o valor consultivo do escritório e cria oportunidades de novos contratos de assessoria.
Reforce a comunicação com os clientes
Não espere que as dúvidas cheguem por e-mail. Envie informativos, promova reuniões, publique conteúdos educativos nas redes sociais e ofereça workshops internos. Mostrar-se presente e acessível é um diferencial competitivo.
A reforma tributária é complexa, e o cliente precisa sentir que pode contar com o escritório contábil para navegar nesse ambiente com segurança.
Adapte seus processos internos
A transição para o novo modelo tributário exigirá ajustes também dentro do escritório. Sistemas de gestão precisarão ser atualizados, planilhas refeitas e processos revisados. Antecipar-se a isso garante eficiência e evita contratempos quando as novas regras entrarem em vigor.
Além disso, investir em tecnologia e automação é uma forma de liberar tempo da equipe para o trabalho consultivo e estratégico.
Posicione-se como autoridade no tema
Ao dominar o assunto, o contador pode usar o tema da reforma tributária para fortalecer sua presença digital e atrair novos clientes. Publicar artigos, participar de palestras e comentar as mudanças em redes profissionais, como o LinkedIn, é uma forma eficaz de construir reputação e gerar novas oportunidades de negócios.
A reforma tributária é a maior mudança do sistema fiscal brasileiro em décadas. Não há mais espaço para passividade. Contadores que não se atualizarem correm o risco de perder relevância — e até clientes.
Por outro lado, aqueles que se anteciparem, estudarem e se posicionarem como consultores de confiança terão um diferencial competitivo poderoso. Serão vistos não apenas como prestadores de serviço, mas como parceiros estratégicos de gestão.
O cliente que entende o valor de um contador que o orienta em decisões tributárias tende a permanecer fiel por mais tempo e a indicar novos negócios.
Um novo ciclo para a contabilidade brasileira
A entrada em vigor da reforma tributária marca o início de um novo ciclo para o setor contábil. O contador passa a ocupar o centro das discussões sobre planejamento tributário, conformidade e eficiência fiscal.
Esse é o momento de deixar de lado a postura reativa e adotar uma mentalidade proativa, consultiva e estratégica. Mais do que entender a lei, é preciso traduzir a reforma em soluções concretas para os clientes.
A reforma tributária não é apenas uma mudança legislativa: é uma oportunidade de reposicionar o papel do contador na economia brasileira — de executor de obrigações para protagonista da transformação empresarial.